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sexta-feira, 1 de julho de 2011

COMO VIVIAM NOSSOS ANTEPASSADOS

Os nossos antepassados viviam mal. Com fome e com pouco dinheiro. Tinham frio e tinham de trabalhar arduamente: Junto um conjunto de fichas sobre alguns temas importantes para os nossos antepassados, esperando os vossos comentários:
Quaresma : « carême » em francês deve o seu nome, ao nome em latim «quadragésima » que significa o 40º dia antes da Páscoa. Importante era também o dia de “mi-carême”, ou dia do meio. A importância era devido aos jejuns que a igreja instituía. Eles eram a sexta-feira, dia da morte de Cristo, o sábado, dia em que ele esteve no seu túmulo, aos quais se juntou a quarta-feira, dia em que ele foi vendido por Judas. Era ainda dia de penitência cada véspera, i e a véspera de cada festa obrigatória, os dias das têmporas, correspondentes aos 3 primeiros dias do início das estações, os 3 dias que precedem a Ascensão, e por último pelo Advento (4 semanas antes do Natal) e durante a Páscoa. Assim os nossos antepassados apertavam o cinto, não somente quando as colheitas eram más, mas igualmente quando eram boas, pois teriam de fazer cerca de 200 anos por ano de jejuns e de penitências.

Mas as penitências ou jejuns eram obrigatórios, mas a Igreja interditava nesses dias toda a atividade sexual. E tal não era brincadeira as “aproximações” de um marido junto da sua mulher durante os dias de penitência equivaliam a condenações a pão e água durante 20 dias, se tal fosse confessado ao pároco.
Ora durante a Páscoa, os 40 dias eram demasiados longos, pelo que se “libertaram” seis dias, que eram os 5 domingos e o dia do meio ou o da “mi-carême”. Este dia era chamado igualmente o da “velha”, e, por isso, nas aldeias e pequenas cidades, os jovens se divertiam, provocando os velhos, lembrando-lhes que poderiam finalmente ter atividade sexuais.

Somente nesses dias se poderiam comer ovos, pois estes foram, durante muito tempo assimilados a “carne” e consequentemente eram interditos naquelas semanas. No dia de Cinzas, a dona de casa, preparava as suas caçarolas para que a família passasse a comer somente legumes e peixe.

Mas havia exceções: podiam-se comprar umas imagens de santos que davam indulgências de vários dias (conforme o preço) para quem rezasse determinadas orações diante da imagem.


A sexta-feira santa, dia da morte de Jesus, era evidentemente o dia do ano em que as penitências eram mais fortes. Tal traduzia-se por uma multitude de interdições, que se juntavam às interdições sexuais e alimentares. Toda a atividade era um sacrilégio! Não se podia trabalhar, forjar o ferro ou cavar a terra, pois tal seria cavar a sua própria sepultura. As interdições eram infinitas: não rir, não cortar os cabelos, não matar qualquer animal, não subir a uma árvore, não concluir um mercado ou contrato, nem fazer uma viagem, não cantar, não utilizar o martelo, etc.

Mas havia alguns bons presságios. Assim os ovos postos nesse dia, deverão ser guardados pois evitaram as quedas quando da colheitas dos frutos; colocados no estábulo afastam os malefícios dos animais; lançados num incêndio, apagam-no. Mas havia ainda uma boa nova: morrer nesse dia era uma felicidade, pois era-se dispensado do purgatório e preservado do inferno, pois as suas portas estavam fechadas nesse dia. No entanto o pão cozido nesse dia apodrecerá, mas em outros sítios afirma-se que durará todo o ano

Mas, no sábado, o padre fazia uma volta pelas casas para abençoá-las. Ele aspergia-as, Bebia um pequeno copo de vinho generoso oferecido pelo dono da casa e partia para a visita seguinte. A dona da casa ia à igreja abastecer-se de água benta.
No dia seguinte os sinos repicavam, pois era o grande dia. Os sinos marcavam o tempo. Os nossos antepassados sabiam a hora olhando para o sol ou escutando os sinos. Notemos que não era importante saber a hora exata pois não tinham que apanhar o comboio ou ver um determinado programa de televisão. Previa-se que tal trabalho fosse feito durante a tarde ou que demorasse o tempo de uma Ave Maria ou de um Pai Nosso, como se previa uma viagem para o domingo antes do dia de Todos-os-Santos. ou para a segunda-feira depois do carnaval.


A Igreja

O Domingo, consagrado à Deus, era obrigatoriamente um dia em que se não trabalhava. A missa era obrigatória e havias a todas as horas, para que não houvesse desculpas. A missa dura duas horas. Quer se resida longe ou que os caminhos sejam difíceis, a presença na missa dominical é obrigatória. De resto era também uma forma de encontro e para aproveitar para comprar algumas coisas no mercado que decorria perto da igreja. Canta-se em latim, sem se compreender o significado das palavras que se pronunciam. Cada um canta como pode pronunciando as palavras como quer. Outros aproveitam para falar com os seus vizinhos que não vêem há algum tempo. Outros ainda aproveitam para trocar umas palavras com o notário ou o tesoureiro. As crianças choram ou fazem pequenas asneiras chamando uns pelos outros, etc. Enfim, o interior da igreja é um verdadeiro cafarnaum, mas no exterior, a praça ou a feira estão sem ninguém.

Mas o grande momento não é o da comunhão que é pouco praticado pelos fiéis, pois se confessam pouco com medo de serem julgados pelo pároco e muitas vezes “multados” por não terem observado todas as prescrições da igreja. O grande momento era a prédica do pároco. Era um longo momento onde se era informado e aconselhado. Tal momento era tão aguardado como hoje o é um telejornal! O próprio Estado, o Rei, aproveitava a ocasião para passar a informação. De resto era o único momento em que o padre se expressava em português e que os nossos antepassados sabiam de uma vitória ou derrota na guerra, ou da morte ou casamento do rei, da chegada de um cometa, e de mera atividade locais ou nacionais. Lembremos que por volta de 1820, chegava a Leiria somente 3 exemplares de um jornal que tinha 4 folhas! Eram igualmente anunciados os nascimentos, os batizados e os casamentos, solicitando, neste caso, às pessoas que conheciam impedimentos à sua realização, que se pronunciassem. Estes impedimentos eram, na maioria dos casos, pelos laços de parentesco dos nubentes, coisas normais, pois havendo pouca mobilidade toda a gente se casava com pessoas da mesma aldeia. Muitas vezes o pároco aproveitava a ocasião para dar uma dispensa excepcional para que se pudesse trabalhar em dias de descanso obrigatório para permitir terminar um trabalho agrícola atrasado.


O luto
Os lutos dos nossos antepassados duravam muito tempo e por outro lado estavam ligados a proibições de participar em reuniões e cerimônias “animadas”. Igualmente havia um código muito complexo nos meios burgueses. No século XIX, a viúva, durante os seis primeiros meses não podia usar que vestidos de lã negra, xales negros, chapéus com grandes véus de crepe, luvas e meias negras e ter somente lenços orlados de negro. Nos 3 meses seguintes o “uniforme” era aligeirado. Nos três seguintes, admitiam-se vestidos de seda negra e vestidos em tafetá no verão. Acabado o ano de luto, era ainda necessário que nos seis meses seguintes se fizesse um luto aliviado com vestidos de seda negra ou branca e negra ou violeta ou ainda roxo.

O luto era um culto e o seu cumprimento um dever e com uma clara hierarquia segundo o parentesco. Todos sabiam que os “grandes lutos” eram para os pais, filhos, viúvas ou viúvos e que duravam mais de um ano. Os dos tios ou das tias duravam 3 meses, os dos primos direitos seis semanas e dos primos, filhos destes, 3 semanas. Percebe-se assim que devido à importância numérica das famílias de antigamente, tenhamos conhecido as nossas avós sempre vestidas de negro, pois estavam de luto pelos primos direitos, pais, tios, ou de dezenas de primos mais ou menos afastados. E se houvesse um engano e o luto fosse aliviado quando ainda não era a altura, haveria sempre alguém que os lembrava de forma crítica.

Estes períodos de luto eram pontuados por missas, pois havia que acompanhar (encomendar) as almas que durante um período de tempo estiveram no céu á espera da noite de lua cheia, pois as portas do céu só se abriam nessa altura. Havia diversas missas que eram realizadas, como a dos 4º dias depois da sua morte, a “do ano” e ainda aquelas que o defunto no seu testamento ou os seus, encomendaram contra o pagamento de determinadas somas.

O testamento

O testamento, quando era feito, visava menos garantir o destino dos bens temporais que os da alma. Assim em muitos casos encontramos registros paroquiais de óbitos, com a uma indicação das últimas vontades que foram ditadas ao padre. Outras vezes é o padre que no seu registro de óbito refere que deixou testamento.

O testamento, feito junto a notário, começava sempre mencionando o nome de Deus, invocando inúmeros santos e referia a forma como tinha vivido: “temente a Deus”, “respeitando os mandamentos”, etc. Seguiam-se as últimas vontades, mas quase sempre limitadas, ou quase, ao plano religioso. Com ofertas proporcionais à sua fortuna estipulava como queria ser enterrado e encomendava missas, novenas e celebrações (algumas perpétuas) mencionando o valor que deveria ser pago por cada uma. Depois indica os montantes a serem dados ao cura, a diversos estabelecimentos de caridade e a serem distribuídos pelos pobres durante o seu enterro. Por último menciona algumas somas para os seus mais próximos, afilhados e criados da sua casa.

Assim se preparava para o seu “passa mento”.


O médico

O pediatra era considerado não necessário, pois não havia clientela para ele pois as crianças eram incapazes de dizer o que sentiam!. Oftomologista? Mas para que serve consultar um oftomologista se em todas as feiras se podiam encontrar vendedores ambulantes que nos proponham uma panóplia de lentes. Os cuidados dentários estavam a cargo do ferreiro da aldeia, pois com ajuda das suas pinças e alicates arrancava os dentes que doíam. A escova de dentes era naturalmente desconhecida. Como se comia muita batata, mão e pouca carne (pois esta era cara), não ter dentes não fazia muita diferença.

Antes dos anos 1850-70 o cirurgião ignora a anestesia ou os anticépticos. Deixando os problemas “interiores” ao médico, o cirurgião dedica-se às partes externas como tumores, úlceras, feridas, faturas, etc., que ele cura lancetando. Durante muito tempo ele era o barbeiro, pois durante muitos anos estas profissões foram confundidas. A única obrigação instituída ao longo dos anos era de ter uma insígnia que indicava que tinha freqüentado uma formação. Assim os cirurgiões que tinham passado por uma escola tinham uma bata longa e os vulgares cirugiões-barbeiros uma curta. Para estes, como de resto para os dentistas, não era necessário qualquer diploma ou estudos.

Os farmacêuticos acumulavam as profissões atuais de droguista e de ervanário. Eram eles que preparavam as “cataplasmas” ou ainda forneciam as sanguessugas tão usadas para sangrar um doente com febre.

Por último o veterinário era inexistente. Havia uns “artistas” que em concorrência com alguns “feiticeiros” faziam tratamentos aos animais e nomeadamente a castração.

Finalmente, era Deus, a natureza e os seus milagres que eram, em última análise os que podiam vir a curar um doente no tempo dos nossos antepassados.

O casamento

Antes do início do século XIX, os casais que conseguiam festejar as bodas de ouro não chegavam a ser 2 em cada 100. Cinqüenta anos de vida comum era tão raro naquelas épocas que quando acontecia o cura da paróquia procedia a um simulacro de uma segunda cerimônia de casamento. Nos nossos dias as fotografias de bodas de ouro são quase um lugar comum.

Havia uma esperança de vida muito mais curta. Parece que antigamente um homem em quatro e uma mulher em cinco eram viúvos ou viúvos antes dos 35 anos, e um homem em cada dois e uma mulher em cada três antes dos quarenta e cinco anos. A diferença entre os dois sexos é explicada naturalmente pela taxa mais elevada de mortalidade feminina durante a gravidez e após o parto – uma média de 10 em cada 100 dos partos. Sabemos que uma mulher teria em média uma criança todos os quinze a vinte meses. As Conseqüências destas situações são catastróficas. Nos meios mais pobres os órfãos são confiados a um tutor, que os coloca mais tarde como aprendiz de uma profissão na vila mais próxima.

Um viúvo ira casar-se o mais depressa possível. Como poderia ele tratar das suas crianças, quando tem que ir todos os dias para o campo ou estar à frente do seu comércio? O mesmo acontece com uma viúva e nomeadamente quando ela tem alguns bens ou é nova. Nos registros paroquiais vemos que um viúvo se casa, em média, seis meses depois de ter morrido a sua mulher. A viúva toma mais tempo e normalmente procura fazer o seu luto e garantir que quando se casar não tem no seu ventre uma criança do marido que morreu. Mas não só segundos casamentos são freqüentes, mas terceiros casamentos não era tão invulgar assim.

Mas para marcar um casamento, mesmo que ele seja o primeiro, é complicado. Não pode ser ao Domingo, pois o Padre já tem muito que fazer com as diversas missas, grandes ou pequenas, as vésperas, etc. A sexta feira era de excluir, pois o Padre nunca dará uma bênção nesse dia de luto e de jejum ou penitência pela morte de Jesus Cristo. A quinta-feira tem um problema, pois a festa de casamento pode passar para Sexta-feira. Lembremo-nos que as festas de casamento tinham uma dezena de sopa, de peixes vários, de carnes, etc. o que obrigava a grandes estadias na mesa para se ir comendo tudo. Muitos “escorregavam” para debaixo da mesa, já muito “tocados” e apareciam umas horas depois aptos a continuar.

Então, escolhia-se a terça ou a quarta feiras, mas que não fossem dias de penitência do Advento, da Quaresma. Consequentemente nunca em Maio e nunca no Verão, pois tal coincidia com os trabalhos das colheitas.. Os períodos preferidos eram em Janeiro e Fevereiro, entre os “reis” e a Páscoa. E em Novembro depois das vindimas.

Por último lembramos que o fato de noiva branco só começou a ser usado depois das aparições da Virgem em Lurdes, e nomeadamente após a difusão da forma como ela apareceu vestida. Até lá o culto da Imaculada Conceição obrigava a que nenhum fato de noiva fosse de branco, e a noiva vinha de cores variadas segundo as tradições locais e a riqueza da família. A cor era viva e, sobretudo vermelha ou azul e sempre com um rico avental de cor clara ou branca. Lembremos que o fato da mulher casada era habitualmente escuro ou preto. E nunca poderia ser feito o fato de noiva por ela própria: trazia azar.


Os professores no séc.XIX e grande parte do séc. XX:

Antigamente e durante muito tempo, um professor era uma personalidade local em qualquer das nossas vilas e aldeias. Em muitos sítios, não era possível encontrar mais ninguém com instrução, a não ser o padre. Por conseguinte, o professor, a par do padre e eventualmente do médico, eram influentes e venerados, ouvidos muito para além do âmbito estrito das respectivas esferas de atividade.
Esse estatuto diferente das pessoas comuns da terra tinha conseqüências ao nível da sua expressão exterior (nas suas vidas, no seu vestuário, na sua casa), e naturalmente existia também na sua situação econômica.
Um professor nunca ganhou fortunas, mas o seu vencimento modesto colocava-o ainda assim notoriamente num patamar superior ao do operário ou do trabalhador rural cujos filhos educava.
Quando alguém ia falar com o professor do filho fazia-o respeitosamente, com a reverência devida a quem tinha a missão de dar aos rebentos o que os progenitores não podiam dar-lhes - e que todos sabiam ser importante.

Luis Figueira
A ascensão social

A fortuna de uma família raramente ultrapassa 3 gerações! A primeira amealha, a segunda aproveita e a terceira delapida o que resta. È tão difícil de manter uma fortuna como de obtê-la.

Os nossos antepassados viviam numa sociedade constituída por diversas camadas sociais sobrepostas, mas não impenetráveis e entre elas era possível evoluir se fosse paciente, pois a progressão era sempre lenta. Somente os mais pobres, os jornaleiros, os criados e os trabalhadores nas cidades ou nos campos têm pouca esperança de sucesso, a menos que um bom casamento lhes permita um salto nas suas condições de vida.

Muitas vezes os nossos antepassados trabalhadores rurais tinham um aliado, muitas vezes um membro da família, na pessoa do “tio padre”. Uma criança apoiada pela cura da aldeia, era uma garantia de sucesso para uma família que poderá vir a beneficiar desse apoio, pois esse “tio padre” exerce o seu ministério numa paróquia vizinha, e encarrega-se da sua educação e ira promover a sua formação introduzindo-o como aprendiz, junto de um comerciante ou “industrial” da vila mais próxima.

Esse “tio padre” promoverá igualmente alianças familiares entre algumas famílias mais ricas da sua paróquia. No segredo da confissão pode sempre deixar cair algumas palavras deixando entender que o bom Deus será mais clemente aqueles que vendem as vacas a Joaquim e não ao Manuel. Muitas vezes vemos que o cura não morre pobre, deixando à sua família um bom pé de meia. Se o comerciante era o iniciador da ascensão social, o padre era quase sempre o motor e é raro não encontrar um junto das famílias que conseguiram subir na vida.

No entanto, no século XIX tudo começa a mudar, nomeadamente pela aparição de funcionários do Estado, como os juízes, os conservadores e o nascimento de profissões que consideradas com algum prestígio, como o ourives, o farmacêutico, o médico e mesmo o oficial do exercito. Nos finais do século XIX aparece ainda uma nova profissão de prestígio e influência: o professor, nomeadamente nas aldeias e nas pequenas vilas. O padre perde então a exclusividade de influência.

Hoje, certas profissões ou certos diplomas permitem fazer subir numa única geração todas os níveis da sociedade. A família terá somente que ser solidária. As dinastias nascem espontaneamente.


A escola
Será que os nossos antepassados iam à escola? Com meios limitados o mestre de escola, que era o pároco ou um laico, ensinava o catecismo com uns rudimentos de leitura e por vezes de escrita, na sacristia. Este ensino era reservado aos jovens. Algumas “avós” ensinavam as raparigas a trabalhar com a agulha descurando as letras do alfabeto. Por outro lado a escola não era freqüentada assiduamente. Quanto muito do dia de todos os Santos ao final de Abril, antes dos grandes trabalhos agrícolas que obrigavam a sua presença nos campos. Claro que as famílias mais abonadas ou cultas obtinham preceptores para as suas crianças e mais tarde enviavam-nas para colégios de freiras ou de frades e muitas vezes mesmo para o seminário. Muitos dos “inquéritos de génere” que a igreja efetuada (para controlar a admissão aos seminários) cobriam vários jovens da mesma família, mas que mais tarde nem todos chegavam a freqüentar o seminário por completa falta de vocação.

Muitas vezes a consulta de registros paroquiais ou notariais permite-nos aperceber que indivíduos notáveis, pela sua riqueza na sua região, não sabiam assinar, limitando-se a colocar uma cruz, símbolo do juramento sobre a Cruz de Cristo. Somente os letrados escreviam o seu nome com firmeza fazendo-a seguir, pegado com a ultima letra, por um “sinal complicado” muito decorativo e personalizado. Era este sinal que revelava a pessoa e não nome que era simplesmente escrito.

Os edifícios das primitivas escolas no nosso país eram, muitas vezes, os resultados de ofertas de pessoas endinheiradas da região. Temos exemplos que tal acontecia nos finais do século XIX e ainda início do século XX, por exemplo, nas Cortes.

As punições físicas estavam na ordem do dia nas escolas, mas era a memória que sofria mais, pois as crianças tinham de decorar tudo e seguindo o principio das perguntas respostas como se ensinava o catecismo antigamente. Todos (os mais velhos) nos lembramos de ter fixado os rios de Portugal (e das colônias), as montanhas, a províncias e as suas capitais, as linhas de caminho de ferro, etc.
O batizado

Os primeiros batizados cristãos eram dados aos adultos por imersão na água como São João Baptista fez para Jesus. Sobre a influência de Santo Agostinho, o batismo passou a ser feito por “aspersão” e que o Concílio de Cartago de 418 permite dar ás crianças. Mas o batizado das crianças irá sempre trazer problemas. A Igreja passa a insistir que o batizado seja realizado nos 3 dias após o nascimento. O Concílio de Trento parece ter definitivamente imposto tal, e qualquer genealogista poderá confirmar que a partir do final do século XVI todos os registros de batizados que podemos encontrar, são realizados quase logo após o nascimento. Conseqüência deste procedimento é que os batizados nunca serão cerimônias muito organizadas, com muitos convidados, pois a família não chega a ter tempo para se deslocar quando vive longe do local do batizado. Claro que as famílias mais ricas fogem a esta orientação e são quem batiza mais tarde os seus filhos permitindo a organização de uma festa.

Claro que o bebe está protegido, como vimos, mas os perigos de fazer deslocar uma criança tão pequena a uma igreja fria, não irá diminuir a taxa de mortalidade infantil, antes pelo contrário. O cortejo chega à igreja com a parteira à frente levando a criança, seguidos dos padrinhos, o pai e alguns familiares, mas nunca mãe que ainda se não recompôs.

E quem são os padrinhos? Devem ser bons católicos para agradar ao padre. Os padrinhos do filho mais velho são normalmente os avós, ou uns tios ou tias para os outros filhos. Às vezes é o cura, tio da família ou ainda uma pessoa importante da aldeia ou cidade, pensando que poderá ajudar a educação da criança. Claro que a escolha deve ser tal que seja muito difícil ao afilhado ou afilhada vir a casar com o seu padrinho ou madrinha, pois tal não é autorizado pela igreja. Padrinho e madrinha serão compadres e não podem se “conhecer carnalmente”. Se tal acontecer, as tradições populares dizem que nunca poderão entrar no Paraíso, salvo se o afilhado fizer penitências por um e pelo outro. Igualmente se o pai da criança tiver um “affaire” com a madrinha, ou a mãe com o padrinho, “haverá raios e coriscos em terra ou no mar”. Repare-se esta precisão que tal poderá somente acontecer no mar, sem que ninguém venha, a saber.

O nome a atribuir


As pessoas desinteressavam-se dos registros elaborados pelos padres quando nasciam se casavam ou morriam. Assim se queixava, no declinar do século XVIII o pároco de S. Julião de Lisboa escrevendo no livro de óbitos que os seus fregueses enterravam nos mosteiros e conventos os seus defuntos sem declarar o óbito para não pagarem emolumentos. Aos assentos era dado o valor de registro do sacramento: o batismo com os Santos óleos, o casamento com o rito definido pelo Concílio de Trento e o óbito com a extrema-unção e não o valor de registro, de fé pública dos nascimentos, dos casamentos e das mortes.

Assim é vulgar encontrar-se o batismos de um indivíduo que não consta nos matrimônios nem nos óbitos, ou encontrar o óbito de um viúvo ou viúva de quem não figuram o batismos nem o matrimonio. As pessoas, muito frequentemente, nasciam, viviam e morriam em casais ou aldeias perdidas no isolamento dos campos, sem preocupações de irem à igreja e vir a pagar emolumentos.

Claro que os padres procuravam que os sacramentos fossem aplicados e o seu registro escrito. Encontramos assentos de nascimentos de crianças registradas de país incógnito que mais tarde são reconhecidas com progenitores conhecidos, pois vieram a casar-se uns dias antes. Neste caso o padre lavra um outro assento dizendo que os recém-casados acabaram de reconhecer como seu a criança atrás dita registrada como incógnita. Assim os párocos, pacientemente, lá iam procurando que os seus paroquianos cumprissem os sacramentos, ao menos aqueles que ficavam ao alcance da igreja.

E como eram atribuídos os nomes? No século XVIII deram-se algumas inovações no uso dos apelidos e entre a nobreza titular difundiu-se a moda estrangeira de usar nomes muito compridos chegando a haver pessoas com mais de 30 nomes. Nas classes populares, as mulheres abandonaram os apelidos usando apenas nomes próprios ou de devoção, como Francisca Teresa do Espírito Santo ou Quitéria Maria de São José e muitos outros sem relação nenhuma com as designações que usavam as mães e os pais. Os padres, durante o século XIX, nos assentos começavam por indicar os homens, com os seus apelidos, e só depois as mulheres somente com nome. No entanto, quando a família era respeitada pelo cura, os homens eram chamados de “Ilustríssimo”, e as mulheres de “Dona” sendo então referido o apelido destas.

Em épocas mais recuadas (século XVII e XVIII) as filhas tomavam o apelido dos pais e os filhos, o da mãe. Mas podemos afirmar que a anarquia que reinou na atribuição dos apelidos só terminou com a instituição do Registro Civil obrigatório depois de proclamada a república.

A Infância

Durante longos meses o recém-nascido mantinha-se embrulhado, enfaixado de forma a manter os seus membros direitos junto ao tronco, a cabeça bem presa e as orelhas bem encostadas à cabeça. Evitava segundo se dizia, que apanhasse frio, pois mesmo no verão “o bebe pode apanhar frio”. Por outro lado enfaixando o bebe permitia transporta-lo mais facilmente, mas permitia igualmente que o bebe apanhasse muitas infecções. Mas esta forma de tratar a criança facilitava o seu transporte e permitia pendurá-lo numa árvore, à sombra, enquanto a mãe trabalha perto na lida do campo.
Durante um ano o bebe permanece imóvel, e ninguém se ocupa muito dele.
Se ele resistir, pois no século XVIII, uma criança em quatro morria antes de ter um ano de idade. Tratavam-se mal as doenças. Contra a tinha, por exemplo, colocava-se simplesmente cinzas sobre a cabeça. A varíola atacava as crianças até aos quatro anos, até que se começou a proceder à vacinação no século XIX. A varicela provocava complicações fatais. Os problemas digestivos, as diarréias podiam ser mortais. O raquitismo era freqüente e somente foi resolvido quando no século XX se começou a administrar o óleo fígado de bacalhau. A difteria provocava hecatombes.

Para evitar todas estas doença, a criança, trazia amuletos vários: dentes de alho, grãos de pimenta vermelha (que servia ainda para combater o sarampo se tomasse uma maceração destes grãos em vinho tinto). Era mergulhado em águas de determinadas fontes que se consideravam com capacidade curativa e invocavam-se os santos. Havia para todas as doenças. Mesmo quando começaram a aparecer médico nas aldeias, não os levavam à consulta, pois eles não podiam dizer de que sofriam!

A morte das crianças foi durante muito tempo considerada uma fatalidade, uma lei da natureza. Os padres muitas vezes omitiam o seu registro, nomeadamente quando morriam à nascença. Dizia-se: “Mais um anjo para o Paraíso”. O Padre registrava o seu óbito, como “um inocente”. E isso até aos sete, oito anos.

O desmame era uma etapa da sua vida. Daí em diante, até poder trabalhar, crescia sem preocupações e com o apoio dos mais velhos que o ensinavam. Rapaz ou rapariga era vestido com um vestido uni sexo até à idade da razão, e isto até cerca de 1910.

A alimentação

A alimentação era quase sempre carne e peixe e poucos legumes. “O peixe era o alimento do baixo povo” como nos conta Link (Viagens em Portugal de 1797 a 1799, Paris, 1803, 2 vol.), sobretudo a sardinha, a única espécie abundante e barata, de tal modo que os portugueses com posses a desprezam: “pão, vinho e sardinhas fazem o jantar do soldado, do magala e das classes pobres; vi frequentemente pobres esfregarem uma sardinha contra o pão dos seus filhos para lhe dar sabor”. Muitas famílias só tinham uma sardinha, pão e batatas para um jantar; a mãe comia a cabeça (que nada tinha para comer e o resto era dividido pelos filhos). “Os pobres costumavam assar sardinhas na rua, servindo-se de alguns pedaços de carvão que eles acendem, obtida prévia licença, no lume de que certos artistas se servem para os seus ofícios” conta Link.

Era enorme a venda de bacalhau. “Não se pode imaginar a espantosa quantidade de navios ingleses que só para as necessidades de Lisboa se ocupam anualmente com o comércio deste artigo, porque o peixe fresco, pela sua carestia, não está ao alcance da bolsa dos mais pobres e mal chega para o consumo dos conventos e dos habitantes mais ricos” de Lisboa. Isto porque “além das sete longas semanas da Quaresma e do jejum das quatro estações, cada um dos quais dura 3 dias, há no Almanaque mais quinze dias de rigorosa abstinência, em que só é permitida uma refeição diária composta de peixe e legumes”.

No entanto, muita gente, não respeita estes mandamentos, “desculpando-se com a falta de saúde que os impede de comer peixe ou indo comer carne nas estalagens onde a há para os “heréticos”. Ainda mediante certas quantias, pode-se comprar o direito de consumir manteiga e ovos. A taxa para os trabalhadores é de 60 réis” conforme nos relata Link.

Os Impostos

Sobre os impostos, pagava-se bastante e a toda a gente, digamos assim. Por isso se justificava que muita gente, nas aldeias, não chegava a registrar o seu casamento. Por que caminhar até à Igreja, ter que falar com o Padre, ouvir as suas exigências e ainda por cima pagar. Talvez encontre registros de batismos de crianças filhas de pais incógnitos que passados pouco tempo, umas paginas à frente o pároco já o registrava filho de A e de B que se tinham acabado de casar.

Como não havia registro, o nome ia variando ao longo da vida (isto para a plebe, pois os nobres tinham tradições que gostavam de respeitar). Daí o trabalho que nós temos para conseguir "alinhar" os nossos antepassados.

Por último gostaria de lhe lembrar que muitos dos costumes dos nossos antepassados são incompreensíveis hoje. Lembro, por exemplo, que nos anos 40 do século passado havia uma licença para se usar isqueiro em Portugal. Tratava-se de uma forma de o Estado se ressarcir da perda de lucros por aqueles que não compravam fósforos (monopólio do Estado). A questão era tão importante que havia uma equipa de fiscais das finanças que somente controlavam a existência dessas licenças. No caso de haver multa e ela ter sido possível por denuncia, ao denunciante cabia uma boa parte da multa.

Cumprimentos
Ricardo Charters d'Azevedo

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